quinta-feira, 22 de setembro de 2016

As Dores Do Mundo


“E eu vou
Esquecer de
tudo
As dores do mundo
Não quero saber
Quem fui
Mas sim quem sou”
Hyldon

Keith Harris tem 47 anos, é irlandês e atualmente mora em Fortaleza. Herdeiro da arte de cortar cabelo, assim como parentes de várias gerações, inclusive pai e mãe, não demorou muito a montar seu próprio salão depois de um tempo de adaptação na cidade da luz, onde foi se movendo entre novos amigos e formando uma extensa clientela. Adepto dos cuidados com seu corpo e sua mente, Harris está sempre às voltas com alguma atividade, como ioga, pilates, corrida, artes marciais, krav maga – essa uma de suas paixões -, entre outras. Para sentir-se bem e para cuidar do seu instrumento de trabalho, ele mesmo! Tais hábitos revelam uma pessoa que tem gosto pelo autocuidado e pelo autoconhecimento, assim como indica, em seu caso, a incidência de dores pelo corpo. Algumas dessas atividades entraram na sua vida justamente como uma forma de tratar tais dores, que lhe acompanham desde quando era bem jovem, chegando a sentir-se incapacitado na fase mais vibrante da vida. Acometido de ler, bursite, crise lombar, tendinite, cogitava submeter-se à cirurgia quando sua namorada sugeriu-lhe ioga, que ele passou a praticar, além de acupuntura, shiatsu, fisioterapia, entre outras formas de tratamento. Mesmo assim, as dores não arrefeceram. Numa escala de 0 a 10, mantinham-se constantes e sempre na posição entre 6 e 7.
Não tem humor que aguente o assédio de tantas dores, por tanto tempo, além de comprometerem os movimentos físicos. A lista de mazelas de Keith parecia só aumentar. Não bastasse o que já carregava conscientemente, outros problemas foram detectados por um quiropraxista: escoliose ‘braba’, bico de papagaio... Começou a frequentar um osteopata, que “botava tudo no lugar”, para o seu alívio, porém, quando saia do consultório, na primeira esquina, seu esqueleto se deslocava para o estado das dores novamente. Estava para perder as esperanças numa vida melhor e, além disso, estava gastando uma fortuna! Melhorou com pilates clínico, porém aqueles incômodos voltavam indóceis.
A constância desses sintomas indesejáveis fez com que estes aparecessem frequentemente nas conversas entre amigos. Numa ocasião festiva, alguns deles indicaram-lhe a Técnica Alexander. Geórgia Dias, única especialista nessa técnica em Fortaleza, estava presente, explicou-lhe como funciona e, assim como o osteopata, sugeriu que parasse com todas as outras atividades por algum tempo durante as aulas, caso viesse a adotá-las. Keith viu-se num dilema: apaixonado por krav maga, estava ansioso por entrar numa fase mais avançada dessa luta de defesa pessoal, prestes a receber a faixa preta. Foram cinco anos e meio de investimento diário e nem cogitava a possibilidade de parar. Além do mais, depois de tanto tempo com dores e experimentando diversas terapias, precisava de ‘algo mais’ para embarcar numa nova e desconhecida aventura rumo ao seu bem estar.
Resistiu muito a ter que parar com as outras atividades, especialmente o krav maga, porém, com o quadro físico piorando, não teve escolha. O medo de, forçosamente, interromper seu projeto profissional - estava abrindo seu salão naquele momento – falou mais alto. Não podia colocar em risco o que dá sentido e sustento à sua vida. Venceram, então, a esperança de curar-se e livrar-se das dores, a curiosidade investigativa e a intuição de ter encontrado um bom caminho. Assim, além de ter se despedido, mesmo que temporariamente, de todas as outras atividades, embarcou em sessões diárias e em leituras sobre Frederick Mathias Alexander e sua criação. Incluiu a prática cotidiana de semisupina duas vezes ao dia, antes de sair de casa pela manhã e ao voltar à noite. Encantou-se com o mantra eu desejo o meu pescoço livre e seu o efeito imediato: “isso realmente funciona porque você está mandando mensagem para o seu corpo” e ele obedece.  Seguir as direções sem colapsar, pensar em up, caminhar para trás indo para frente... Seus pensamentos foram absorvendo um novo conceito de movimento, conduzindo sua estrutura física a mover-se numa dança sutil. Em dois meses, percebeu mudanças positivas em todo o corpo e no humor, e agora as dores oscilam entre 4 e 5, numa escala de 0 a 10. Para uma personalidade independente como a de Keith Harris, a autonomia mental e corporal que está adquirindo nesse processo é fundamental na decisão de permanecer praticando a Técnica Alexander.  

Esse novo conhecimento tem influenciado sua atuação profissional com resultados visíveis, mesmo que – ainda - sutis. Percebe isso no momento mais importante da sua atividade, justamente a hora do corte do cabelo, quando ‘ajusta’ os dois lados da cabeça da sua cliente para ter uma visão mais apropriada para fazer o corte. Afora movimentar-se mais livremente nessa ação, sua nova forma de se posicionar influencia no resultado final do corte, que, segundo ele, fica melhor e mais viçoso. Outra experiência muito importante e prazerosa no salão - que recebe muitos jovens interessados em aprender seu ofício - tem sido aplicar os exercícios e os princípios da Técnica Alexander nas instruções aos seus ajudantes e alunos. Ensinar a partir dos tais princípios tem sido como adotar uma nova e revolucionária pedagogia, ressignificando, assim, mais esse aspecto da sua forma de trabalhar e de mover-se entre uma ação e outra.  Por tudo isso, Keith Harris voltou a escancarar o sorriso esquecido entre dores - inclusive a dor de deixar de praticar krav maga.