sábado, 27 de agosto de 2016

A aventura do não fazer

Iniciando uma jornada alexander com Geórgia Dias

Parte I - Minha primeira semi supina: I just had an epiphanie!
Resisti, inicialmente, a participar do primeiro workshop de Técnica Alexander com Geórgia Dias, em Fortaleza, há três anos, porque vinha de uma série de cursos e oficinas, com propósitos similares, e queria dar um tempo para absorver os novos conhecimentos e práticas e também descansar. A resistência foi vencida após ouvir a frase “Tem tudo a ver com você!, dita por amigos que estavam produzindo o encontro com a cantora do canto feio.
Nada de exercícios de respiração, nada de treino vocal, nada de fazer posturas corporais comuns. Fomos convidados a deitar em semi supina - algo como um ‘repouso construtivo’-, para não fazer nada. Apenas deixar o corpo se reorganizando por si mesmo, deixando o ar entrar e sair, sem interferir no fluxo ‘fazendo’ qualquer respiração, - portanto, não respirando por ele -, e, também, sem ‘fazer’ qualquer movimento voluntariamente, apenas observando os movimentos naturais do próprio corpo.  Seguinte: deitada no chão, cabeça sobre uma pilha de livros posicionados na occipital, pescoço livre, joelhos flexionados, pés relativamente próximos das nádegas - separados suficientemente para que o peso das pernas fosse transportado ao chão, mantendo-as pousadas com leve firmeza -, joelhos na direção do teto, todos os dedos espalhados no chão. 20 minutos nessa posição com o esqueleto segurando o corpo, olhos na direção do teto, relaxando a musculatura, com a mente atenta, apenas observando. Única ação do momento: observar. E o corpo agindo por si mesmo!
Os primeiros minutos em semi supina foram incômodos, desconfortáveis, infernais, ao ponto de eu me questionar se estaria fazendo alguma coisa errada naquele não fazer. Pela primeira vez, me dei conta do quanto minha perna direita ‘reclamava’, enquanto a esquerda parecia ‘tranquila’. Senti-me toda torta, tive vontade de corrigir. E até de correr dali! Como algo tão fácil parecia tão difícil de suportar? A orientação vinha na direção contrária. Nada de correção. Melhor ‘segurar a onda’, deixar o corpo ‘errado’. “Esse desconforto é consequência do atrito com o hábito” nos ensinava a professora. A semi supina é uma postura básica na Técnica Alexander e a recomendação é praticá-la diariamente e, de preferência, mais de uma vez ao dia, entre 15 e 20 minutos, para que a pessoa vá adquirindo e sustentando um corpo alexander.
Começar uma atividade com incômodos não é novidade para quem vive nos sets, nos palcos, diante de microfones.  Estamos sempre às voltas com treinamentos, práticas e estudos vocais e corporais como preparação para atuar e poder usufruir mais adiante da integração de todas as partes que vão compor a performance desejada. Trabalhar o corpo e a voz passa por usá-los de outros modos que os usos comuns, o que não acontece sem desconforto. Por sua vez, os hábitos invadem tanto a instância do cotidiano quanto a do trabalho, seja qual for a atividade, causando dores nos corpos em geral, sejam de praticantes ou não de atividades físicas. Quando nos deparamos com os hábitos, ligados, muitas vezes, a ações desnecessárias, o simples fato de parar desloca-nos do lugar de conforto. Esse é um dos grandes dilemas da sociedade contemporânea. Somos superestimulados, mental e corporalmente, a nos manter em ação permanente, o que gera estresse exacerbado e acaba por completar um círculo vicioso que causa danos à nossa saúde.
Não sei precisar quando comecei a me ver dentro do conforto meditativo, do prazer causado pelo relaxamento ativo, durante aquela primeira semi supina. Assustava-me a cada vez quando repentinamente meu corpo, em bloco, na horizontal, parecia cair de uma altura de três degraus ou mais; ou me surpreendia quando percebia micromovimentos naturais do corpo parecerem enormes, enquanto me mantinha em ‘repouso construtivo’. O fato é que mergulhei numa aventura do não fazer, com descobertas agradáveis e constantes. O ar fluía atravessando toda a extensão do meu corpo. Fui me sentindo mais ampliada por dentro, com mais espaços dentro das articulações, e estendida por fora. Parecia ter crescido alguns metros. De repente, mais um susto. Dessa vez mais forte. Minha virilha direita pareceu desgrudar abruptamente soltando a perna direita enquanto a esquerda mantinha-se quieta e firme. Surpreendi-me ao perceber, nitidamente, que, enquanto o esqueleto mantinha-se ‘tranquilo’ na mesma posição, toda a musculatura parecia ter virado uma geléia se derretendo contra o chão. Ajustes ou reajustes que o próprio corpo continuava a fazer. Ali, ‘viajando’, estava vivendo uma epifania.
Daquele primeiro Workshop de Técnica Alexander aos dias de hoje, tenho praticado semi supina com frequência, participado de outros encontros e feito aulas individuais com Geórgia Dias, incansável em nos ensinar como mover-se pode ser um ato de liberdade. Como uma apaixonada pela liberdade, eu confirmo a razão dos meus amigos. Sim, a Técnica Alexander tem tudo a ver comigo. Além do mais, tem sido muito gratificante aprender sobre o canto feio. Mas esse será tema para outra ocasião!

Marta Aurélia, 54 anos. Banabuiú é sua cidade de origem e Fortaleza é sua cidade por adoção desde a infância. Cantora e atriz. Foi locutora da Rádio Universitária FM por 30 anos. Formou-se em jornalismo e especializou-se em Teorias da Comunicação e da Imagem pela Universidade Federal do Ceará. Atualmente, foca nos projetos artísticos e na área do desenvolvimento humano, autoconhecimento e saúde integral. Aprendiz da Técnica Alexander para a vida e para a arte.

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